20 outubro 2011

Obras-primas | - Flaubert: o homem que descobriu o real



Esta sessão será destinada a artigos ou mera citações que versem sobre "obras-primas" dos mais diversos gêneros. Não haverá uma organização ou ordem de publicação. As publicações virão através de um "fluxo de consciência".



Gustave Flaubert
por Eugène Giraud
(1806 – 1881)
Flaubert: "Eu sou Madame Bovary"
     Gustave Flaubert, mais do que qualquer outro escritor, fez da literatura sua vida. Dedicando-se completamente a aperfeiçoar sua arte, obteve uma maravilhosa harmonia entre a ficção e a realidade. Flaubert conseguiu levar o romance realista à perfeição.
      Nasceu em 1821, em Rouen na França. Começou a estudar Direito em Paris, mas seu destino foi alterado por um amor não correspondido, o qual fê-lo desesperar da vida. Morreu em 1880, com 58 anos de idade. Jean-Paul Sartre lhe dedicou uma biografia colossal - quatro mil páginas de análise estético-existencial. Para quem gostaria de conhecer mais deste autor, esta dada a dica. Porém, único fato que julgo dígno de ser lembrado: sua obra é sua verdadeira biografia.

Madame Bovary
      O romance é resulto de 5 anos de trabalho e é uma dura depreciação dos valores burgueses. Tornou-se uma obra popular, bateu todos os recordes, saiu em inúmeras edições e foi  traduzida para as mais diversas línguas. Todavia, essa obra é ao mesmo tempo uma obra-prima da arte literária. Não se pode esquecer que, no início deste século, o Women's Lib situa em Emma Bovary (personagem principal do romance) o início da atual consciência feminista. 
       Gustave Flaubert foi acusado pelo governo francês de ter escrito uma história "execrável sob o ponto de vista moral". Para entender tal acusação, é importante saber que a obra foi publicada no tempo do Segundo Império, de Napoleão III, época de corrupção e deboches desenfreados de aventureiros, época de amordaçamento da imprensa por uma censura moralista, muito ao agrado de uma burguesia hipócrita.
        Uma revista liberal, Revue de Paris, aceitou publicar o romance, capítulo por capítulo. Leitores indignados enviavam cartas protestando contra a "imoralidade do tema" e "a calúnia dos costumes de província". A revista, amedrontada, cortou algumas cenas e abreviou outras, chegando até a suspender a publicação. Mas não foi suficiente, o autor e os editores foram acusados de crime contra o pudor, os bons costumes e a religião, aparecendo como réus perante a 6ª Vara Criminal de Paris.
          O discurso da acusação foi de uma hipocrisia revoltante: a publicação de um livro tão obsceno seria capaz de sacudir os fundamentos morais da família francesa e chegar a minar a estabilidade e tranqüilidade política do país. O defensor Sénard apresentou Flaubert como escritor cristão, de moralidade rigorosa, e a obra como história da justa punição de uma mulher debochada. Felizmente, foram absolvidos.
   Madame Bovary é um romance de amor, no qual uma burguesa provinciana - Emma Bovary -, com a imaginação exaltada pelas leituras românticas, busca uma vida mais intensa que aquela que o ambiente com o marido - médico, Charles Bovary - pode lhe dar. Por tal ambição, passa por infelizes e embriagantes aventuras, desembocando em um desespero que a leva ao suicídio. É uma história trivial, um pouco sórdida, pois houve sempre e sempre haverá Emmas pelo mundo. 
     O verdadeiro criminoso na obra de Flaubert é a sociedade, que corrompe tudo. A obra ultrapassa seu enredo, o romantismo feminino e a estupidez humana. Flaubert se opõe à sociedade! Este é o verdadeiro tema do livro.
       Com isto, foi até criado o termo bovarismo, que é o hábito da pessoa de ver-se no espelho mais bonita, mais rica e mais inteligente do que realmente é. Ao ser questionado sobre quem é Madame Bovary, Gustave Flaubert respondeu "Madame Bovary sou eu mesmo".

Trechos da Obra
A real intenção deste post era apresentar uma seleção de trechos da obra, escolhidos por mim e de forma nada imparcial.

"Ia ruminando a sua felicidade, como quem fica ainda mastigando, depois do jantar, o gosto das trufas que está digerindo."

"...a paixão de Charles já nada tinha excessiva. Suas expansões haviam-se tornado regulares; beijava-a em horas certas. Era um hábito como os outros e como que uma sobremesa prevista com antecipação, após a monotonia do jantar."

"As felicidades futuras, como as praias dos trópicos, projetam, na imensidade que as precede, as suas molezas nativas, brisas perfumadas; e nós nos entorpecemos na sua languidez, sem mesmo nos importarmos com o horizonte que não avistamos ainda."

"Tantas vezes já a ouvira dizer tais coisas, que não lhe eram mais novidade. Emma parecia-se às demais amantes; e o encanto da novidade, caindo aos poucos como um vestido, exibia a eterna monotonia da paixão, sempre da mesma forma e da mesma linguagem."

"Ela sentia-se tão desgostosa dele, como fatigado dela ele estava. Emma reencontrava no adultério toda a insipidez do lar conjugal."

"Obedecendo à ideia de que uma mulher deve sempre escrever ao amante. Mas, ao escrever, tinha no espírito outro homem, um fantasma composto das suas mais ardentes lembranças, das suas leituras mais belas, das suas mais fortes ansiedades; e afinal este se tornava tão verdadeiro e acessível."

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