18 outubro 2011

Fábrica de Bacharéis

Tudo é loucura ou sonho no começo. Nada do que o homem fez no mundo teve início de outra maneira - mas já tantos sonhos se realizaram que não temos o direito de duvidar de nenhum.[1]
Para se pensar o Direito brasileiro é preciso, antes de tudo, analisar as mudanças e nuances pelas quais o ensino jurídico passou no decorrer dos anos.
Sua origem está inserida em um período de efervescência de movimentos sociais,  que possuíam como moto o individualismo político e o liberalismo econômico, culminando na independência do país. Neste contexto o incipiente Estado Brasileiro busca nos cursos de Direito uma solução capaz de criar uma nova imagem para o povo brasileiro mirar-se. Tencionava-se a missão de se criar novos modelos e identidades para um país que, apesar de independente, dependia de Universidades Européias - principalmente a de Coimbra - e, sobretudo, mantinha em seu comando um monarca português. Portanto, o intuito primário era a formação de uma elite política e administrativa nacional, subsistindo a tradicional burocracia Joanina.
Com a lei de 11 de agosto de 1827, instituíram-se nas cidades de São Paulo e de Olinda os cursos de Ciências Jurídica e Sociais no Brasil. Um dos desdobramentos oriundos destas implementações foram as revistas acadêmicas que, observando no periodismo um meio eficaz, passaram a serem utilizadas como forma de divulgação de notícias do âmbito apenas institucional e de debates críticos.
                                    
O estudo da vida extracurricular revelou a existência de uma infinidade de periódicos, na maior parte porta-vozes de institutos e associações científicos, filosóficos, literários e etc., comprometidos com distintas orientações político-partidárias e que expressam algo inusitado: o periodismo proporcionou o espaço necessário à formação profissional do bacharel, e nessa condição, fez as “honras da casa” ao substituir as salas de aula nas suas tradicionais atribuições de ensinar. De fato, foi através do jornalismo que o acadêmico/bacharel aprendeu a complexa arte da política.[2]

Desde o princípio, entretanto, os cursos nasceram pelos ditames da necessidade de se formar uma elite política coesa e disciplinada, conforme os fundamentos ideológicos do Estado. Não houve, por isso, relevância à preocupação de formar juristas que produzissem a ideologia jurídico-política do Estado Nacional emergente. Destarte, pode-se dizer que a proclamação da República não foi fruto de ideias republicanas prevalecentes, mas tão somente conseqüência da queda da monarquia.
Em meio a estas mudanças, em 1891 promulga-se a primeira constituição da Republica. Esta, por seu turno, abriu portas para que os cafeicultores assumissem o controle das instituições político nacionais e a faculdade de Direito transformou-se em um dos grandes legitimadores deste novo jogo político. Neste contexto encontra-se a gênese do processo de profissionalização da política na sociedade brasileira.
Na década de 20, a indagação sobre o causador e responsável pela característica de o país ser retrógrado deixa de ser fatores étnicos ou racionais para dar espaço ao analfabetismo. A educação surge como solução, sendo futuramente, um dispositivo da constituição de 1934, a Social Democrata.
Todavia, apesar de a educação ganhar mais espaço, os estudantes de Direito da década de 30 adquirem um senso prático, perdem a espontaneidade e a originalidade de outrora. Os bacharéis passam a preocupar-se mais com o cargo a ocupar ou a função a exercer, que com movimentos literários ou filosóficos. O direito perde sua função missionária. Surge, em cenário pós-guerra, o Direito como profissão. Desse modo, em 1927 - centenário da criação dos cursos de Direito no Brasil - a República Velha aproxima de seu encerramento com um saldo de 14 cursos de Direito[3]. Neste período, encontra-se o embrião desta “Fábrica de Bacharéis”.
Não obstante todos os esforços e tentativas de mudanças nas quais o ensino jurídico  alcançou, pouco foram as alterações substanciais no decorrer de todos estes anos. Venâncio Filho[4], nos 150 anos de ensino jurídico no Brasil, conclui sua obra - uma análise histórica dos cursos de Direito - afirmando que este curso “ainda se encontra à procura de seus caminhos”. 50 anos mais tarde, o Brasil, em 2010, possuiu um saldo de 1240 cursos de Direito[5]. Operários, bem vindos à fábrica!




[1] LOBATO, Monteiro. Mundo da Lua. São Paulo: Globo, 2008.
[2] ADORNO, Sérgio. Os Aprendizes do Poder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 238.
[3] SIQUEIRA, Márcia Delladone. Faculdade de Direito: 1912-2000. Curitiba: UFPR, 2000.
[4] VENÂNCIO FILHO, Alberto. Das Arcadas ao Bacharelismo. 2 ed. São Paulo: Perspectiva, 1982. p. 318.
[5] CNJ – Conselho Nacional de Justiça, 2010.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das Raças: Cientístas, instituições e questão racial no Brasil. 3 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

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