13 abril 2017

Páscoa

Amanhã é sexta-feira santa, os supermercados estão abarrotados de ovos de chocolate. Para mim, a páscoa significa a morte e ressurreição de Cristo. Significa o dia em que todos os pecados foram tirados, o dia do último sacrifício pela humanidade. A data do Cordeiro de Deus, que foi sacrificado na cruz pelos pecados dos povos, e cujo sangue nos redimiu: "morrendo, destruiu nossa morte, e ressuscitando, restituiu-nos a vida". É a nova Aliança de Deus realizada por Seu Filho, agora não apenas com um único povo, mas sim: com Todos os Povos.

Então, fico pensando, mas que diacho significa esse tal de ovo de páscoa? Coelho não bota ovo, que loucura é essa? Então, #sentaquelavemhistória:

Para os Antigos, o ovo simbolizava o Nascimento: Egípcios e Persas costumavam tingir ovos com cores da Primavera para presentear os amigos. Os Cristãos Primitivos do oriente foram os primeiros a presentear com ovos coloridos, na Páscoa. Entretanto, os ovos não eram comestíveis, como se conhece hoje, apenas muito coloridos e decorativos. Era um presente original, simbolizando Ressurreição como início de uma Vida Nova: A própria Natureza, nesses países, renascia florida e verdejante após um rigoroso Inverno. Em alguns lugares, as crianças montavam seus próprios ninhos, pois acreditavam que o Coelhinho da Páscoa, ali colocaria seus ovinhos. Em outros, as crianças procuravam os ovinhos escondidos pela casa, como acontece nos Estados Unidos.

Historicamente, nunca foi um Coelho quem fez o “trabalho de trazer os ovos”, mas sim a Lebre, que é símbolo de Fecundidade e, ao mesmo tempo, por ser indefesa, o que simboliza o “homem que coloca toda sua confiança em Deus”. A associação ovo e Lebre da Páscoa sempre teve um caráter fundamental na simbologia da chegada da Primavera e este animal foi, desde cedo, confundido com o Coelho pela sabedoria popular.

A tradição do Coelho da Páscoa foi trazida à América por imigrantes alemães, entre o final do Século XVII e início do Século XVIII (meados de 1700). O Coelhinho visitava as crianças, escondendo os ovos coloridos que elas teriam de encontrar na manhã de Páscoa. Coelhos não colocam ovos! Todavia, por sua grande Fertilidade, o Coelho tornou-se o símbolo mais popular da Páscoa. Como naquela época, o Índice de Mortalidade era muito alto, entre os povos da Antiguidade, Fertilidade era sinônimo de preservação da espécie e de melhores condições de vida. No Egito Antigo, por exemplo, o Coelho representava “o Nascimento e a Esperança de Novos Tempos”, que poderiam ser Melhores para todos. Assim, Coelhos são vistos como símbolos de Renovação e início de uma Nova Vida: Em união com o mito dos Ovos de Páscoa, o Coelho da Páscoa representa a Renovação.de uma Vida que terá Novos e Melhores dias, segundo as Tradições. Para nós Cristãos, o Coelho da Páscoa simboliza a Igreja que, pelo poder de Jesus Cristo, é fecunda em sua missão de propagar a palavra de Deus para todos os povos.

Ok. Até aí tudo bem. Mas de onde veio essa comilança toda?? Colomba pascal, chocolates... Bom, a Colomba é um bolo em forma de "Pomba da Paz", que significa a vinda do Espírito Santo. Diz a lenda que essa tradição surgiu na Vila de Pavia, situada ao Norte da Itália, onde um confeiteiro teria presenteado o Rei lombardo, Albuíno, com essa iguaria. O soberano, por sua vez, teria poupado a cidade de uma cruel invasão, graças a esse agrado. O chocolate, por sua vez, surgiu somente no século XX.

O ovo, geralmente branco e frágil é, de forma geral, o Símbolo da Vida. O germe: encarna todo o conteúdo de uma vida em uma simples casquinha, passando pela metamorfose que cria o pintinho, que consegue sair da sua casca. Um símbolo da Transmutação e do Renascimento. Do simbólico para o cotidiano, durante os quarenta dias que antecedem o Domingo de Páscoa, a Quaresma, os fiéis estariam proibidos de consumir tanto carnes quanto ovos. No entanto, as galinhas (desconhecendo esta interdição) continuavam, normalmente, a pôr seus ovos. Assim, para não desperdiçar os ovos, surgiu no Século XII, a tradição de decorar as cascas dos ovos e presenteá-los, uns aos outros. Conta-se que o Rei Eduardo I da Inglaterra, em 1307, teria distribuído 450 ovos pintados aos membros da família real.

Passou-se, então, a desenvolver ovos: esculpidos em madeira, feitos por joalheiros... E logo, os doceiros começaram a confeccionar ovos em açúcar e amendoim para as crianças. O uso do chocolate para confeccionar Ovos de Páscoa, provavelmente, difundiu-se apenas a partir da década de 1950, quando, graças à grande industrialização do chocolate, ocorreu seu barateamento, antes acessível apenas às classes mais abastadas. O chocolate podia ser manuseado e modelado facilmente; muito mais simples do que retirar o conteúdo interno de um ovo de verdade ou cozê-lo, para depois decorá-lo, tornando-o um presente.

Dessarte, é disso tudo aí que vem a nossa tradição. Pura cultura, história e hábitos populares.





07 março 2013

Um comunicado sobre as Palavras


Acredito que não voltarei a postar tão breve. Mas preciso muito compartilhar isso! Simplesmente genial!



"Palavras são feitas de matéria escura, quase sólida. Secam rapidamente, depois de pensadas ou ditas. Mas secam também antes que saiam da boca, quando deixamos de usá-las de maneira apropriada. Há duas grandes famílias de palavras - as que são súbitas e as que roubam tempo. As primeira deve seu nome ao fato de aparecerem pouco, como pontilhões transparentes e de curtíssima duração até aquilo que nos rodeia. Vêm em geral cercadas de espanto por seu misto de precisão e harmonia, como uma enorme coincidência que logo some, carregando consigo a breve duração de sua promessa. De tão raras, parece sempre que estamos diante das palavras súbitas pela primeira vez. Formam, neste sentido, o oposto complementar da segunda família de palavras, conhecidas como rouba-tempo, que estão sempre disponíveis e aparecendo em legião. São estas que nos cercam a cada momento, a tal ponto que já não é possível separar nossa vida da sua. Para quê agem assim, roubando nosso tempo como um roedor nos leva para a sua toca ou um marsupial para a sua bolsa? É uma questão complicada. Parecem apegadas à superfície dissipada da vida, que não consegue ficar-se e encontra nelas o seu coagulante. Estão para as palavras súbitas como os anões de jardim para as pessoas vivas. No entanto, a própria superficialidade de sua existência imperfeita confere uma poderosa característica a esta família: sua reprodutibilidade. Como partículas subatômicas, trombam o tempo todo numa dança desordenada, mas aparentando grande lógica, de verbos e substantivos que expele sufixos, rimas incompletas, hexâmetros de pés quebrados e um número enorme de frases feitas semicirculares. É esta pasta confusa que obscurece o céu estrelado sobre nossas cabeças, o astro vermelho que tomba diante de nós ou a branca fatia da lua. Normalmente, em sua forma mais virulenta, as rouba-tempo comentam aquilo que está sendo visto: "parece que posso tocar as estrelas!", "nunca vi um sol tão vermelho!" ou "a lua está transparente como porcelana". Naturalizam assim sua própria condição dissipada, atazanando as mentes que dominam. Sim, porque é próprio das rouba-tempo afligir seu hospedeiro impedindo que se distraia, que se una verdadeiramente àquilo que o chama; ficam resmungando baixinho, soletrando nomes e pronomes, embalando o órgão que deveria no entanto utilizar-se delas num sono acordado que vai terminar por matá-lo. Este órgão, o cérebro, ao invés da emissão de raios amorosos para a qual parece destinado, captando a frequência da matéria, da memória, dos afetos ou mesmo do que se esconde na sombra mais profunda para reproduzir, como se fosse um sino, sua onda vibratória (que não vem de cima, mas do interior das coisas), fundindo-se assim ao pulso único, irreprodutível, de uma maçã, por exemplo, e vibrando de volta com ele, ao invés de seguir essa vocação, possuído pelas rouba-tempo, este cérebro fala, ou pensa que fala - pensa, ou pensa que pensa. Abandona assim a matéria transparente, neutra e vazia da harmonia física e vibratória entre os seres pelo campo preventivo destes pequenos duplos de som organizado que parecem, no fundo, querer apenas perpetuar-se. Como o ser vibra em ondas, logo assumiram a forma sonora, procurando confundir-se com a sua fonte ou, ao menos, manter com ela um parentesco primário, uma matéria comum ondulatória de que o som parece a configuração mais explícita. No entanto, é nesta mesma astúcia que acabam por revelar-se, pois sabemos que não vibra o emaranhado pantanoso de semipalavras e fragmentos de orações que nos turva a mente o dia todo, parecendo mais um bolo amorfo que expande e colapsa sobre si do que a fuga bailarina, cíclica e sempre renovada de uma palavra súbita ou de outra onda qualquer, luminosa, cheia de sargaços, infravermelha ou afetiva. Parecem ter nessa dificuldade de expansão o seu ponto fraco, o avesso da reprodutibilidade extrema que as caracteriza. É a partir daí que devem ser predadas. Sim, porque se não as alimentarmos com visões ou sentimentos, se não trouxermos o vento até elas, se não dissiparmos a clausura asfixiante de sua falta de objeto, entram rapidamente em colapso. É bem possível que o cérebro hospedeiro colapse junto, ouvindo o ranger das correntes mesmo enquanto dorme, mas desta crise extrema pode também brotar a libertação e o silêncio. A fadiga do cérebro doente, a concentração de todas as suas forças contra o invasor que já o tomou quase completamente, acaba muitas vezes por fazer nascer um órgão renovado, que cedeu à doença partes inteiras de matéria e de suas habilidades, mas reuniu ainda assim o essencial para uma sobrevida. Trata-se, na verdade, de uma operação bastante arriscada, mas que obteve sucesso muitas vezes, pois diante da morte do hospedeiro as próprias rouba-tempo recuam, diminuindo o nível de sua atividade. Ao que parece, pressentem o ponto de colapso do organismo, recolhendo-se como um exército ordenado de formigas. O que lhes interessa não é de fato destroças o hospedeiro mas mantê-lo num estado de torpor em que processa, numa espécie de fotossíntese, a substituição contínua do que lhe é exterior pela sintaxe desordenada das próprias rouba-tempo. Existe ainda uma segunda forma de combatê-las, mais estranha e menos eficaz, mas que diversas vezes apresentou resultados. Consiste em materializá-las, escapando à ilusão aérea e vibratória que as caracteriza. A primeira tarefa deste método é sempre grafar as palavras, evitando a forma oral. Como já dissemos, o caráter imaterial que assumiram, através de ondas sonoras, é que permite sua camuflagem astuciosa. Esta técnica consiste portanto em dar corpo às palavras, tornando-as pesadas, onduladas, viscosas ou sujas, escrevendo-as com barro, concreto ou metais fundidos, sempre em escala significativa. A primeira propriedade que adquirem neste caso é a lentidão: até que terminemos de construí-las repetiremos mentalmente tantas vezes o som que as caracteriza que este já não terá qualquer sentido. Além disso, como criar sintaxe entre fósseis paralisados, carregados de matéria e de peso; como encontrar a posição de um verbo e de um adjetivo numa situação eminentemente física, feitos de terra, por exemplo, num terreno que a chuva encharcou? Isoladas, presas na matéria, não podem mais trombar indefinidamente umas com as outras nem reproduzir-se. Parecem perder sentido conforme ganham corpo, e então já não há perigo de que nos enganem."

Nuno Ramos (em O Pão do Corvo)

29 outubro 2012

"O Cego Estrangeiro"

Séculos sem postar, talvez isso continue...

Um curta que acabei de conhecer, vale muito a pena. 6 minutos bem investidos.


Curta-metragem escrito e dirigido pelo brasileiro Marcius Barbieri.

Roreito e direção: Marcius Barbieri
Ator e criação idioma: Luis Orione "Lula"
Trilha: Luiz Rocha "Espiga"
Produtora: 400filmes

09 dezembro 2011

"Eu sou minhas histórias"

Franz Kafka. Meu autor preferido, dentre vários preferidos.

De origem judaica, nasceu em Praga no dia 3 de julho de 1883. Durante seus 40 anos de vida, a cidade pertenceu à monarquia austro-húngara. Neste contexto, Kafka vive o fervor nacionalista centro-europeu e escreve em alemão. Em sua adolescência, declara-se socialista e ateu. Cursa, por escolha do pai, Direito e passa a trabalhar em uma companhia de Seguros. Desgostoso desta rotina, dedica-se à literatura. Morre em 1942 doente e tuberculoso. A maior parte de suas obras foram publicadas postumamente e "contra a sua vontade". Pois, em seu testamente pede à Max Brod que queime todos os seus manuscritos (o que não ocorreu, para o nosso bem!).

O drama kafkiano é o drama de um membro de uma família pequeno-burguesa. Seu olhar, é direcionado a coisas como a opressão burocrática das instituições, a "justiça" e a fragilidade do homem comum frente ao cotidiano. F. Kafka desenvolveu o tema do "absurdo", estruturado por Dostoievski e também desenvolvido por Albert Camus em um sentido mais imanente.

Esta foi uma "curta" introdução sobre o autor, pois a real intenção é postar uma de suas curtas narrativas:

DIANTE DA LEI

"Diante da lei está um porteiro. Um homem do campo chaga a esse porteiro e pede para entrar na lei. Mas o porteiro diz que agora não pode permitir-lhe a entrada. O homem reflete e depois pergunta se mais tarde o deixarão entrar.

− E possível − disse o porteiro −, mas agora não.

Uma vez que a porta que da lei continua como sempre aberta e o porteiro se põe de lado o homem se inclina para olhar o interior através da porta. Quando nota isso o porteiro ri e diz:

− Se o atrai tanto, tente entrar apesar da minha proibição. Mas veja bem: eu poderoso. E sou apenas o último dos porteiros. De sala para sala existem porteiros cada qual mais poderoso do que o outro. Nem mesmo eu posso suportar a simples visão do terceiro.

O homem do campo não havia previsto tais dificuldades: a lei deve ser acessível a todos e a qualquer hora, pensa ele; agora, no entanto, ao examinar mais de perto o porteiro, com seu casaco de pele, o grande natiz pontudo, a longa barba tártara, rala e preta, ele decide que é melhor aguardar até receber a permissão de entrada. O porteiro dá-lhe um banquinho e permite-lhe sentar-se ao lado da porta. Ali fica sentado dias e anos. Ele faz muitas tentativas para ser admitido e cansa o porteiro com os seus pedidos. Às vezes o porteiro submete o homem a pequenos interrogatórios, pergunta-lhe a respeito da sua terra natal e de muitas outras coisas, mas são perguntas indiferentes, como as que os grandes senhores fazem, e para concluir repete-lhe sempre que ainda não pode deixá-lo entrar. O homem que havia se equipado com muitas coisas para a viagem, emprega tudo, por mais valioso que sea, para subornar o porteiro. Com efeito, este aceita tudo, mas sempre dizendo:

− Eu só aceito para você não julgar que deixou de fazer alguma coisa.

Durante todos esses anos o homem observa o porteiro quase sem interrupção. Esquece os outros porteiros e este primeiro parece-lhe o único obstáculo para a entrada na lei. Nos primeiros anos amaldiçoa em voz alta e desconsiderada o acaso infeliz; mais tarde, quando envelhece, apenas resmunga consigo mesmo. Torna-se infantil e uma vez que, por estudar o porteiro anos a fio, ficou conhecendo até as pulgas da sua gola de pele, pede a estas que o ajudem a fazê-lo mudar de opinião. Finalmente sua vista enfraquece e ele não sabe se de fato está ficando mais escuro em torno ou se apenas os olhos o enganam. Não obstante reconhece agora no escuro um brilho que irrompe inextinguível da porta da lei. Mas já não tem mais muito tempo de vida. Antes de morrer, todas as experiências daquele tempo convergem na sua cabeça para uma pergunta que até então não havia feito ao porteiro. Faz-lhe um aceno para que se aproxime, pois não pode mais endireitar o corpo enrijecido. O porteiro precisa curvar-se profundamente até ele, já que a diferença de altura mudou muito em detrimento do homem:

− O que é que você ainda quer saber? − pergunta o porteiro. − Você é insaciável.

− Todos aspiram à lei − diz o homem. − Como se explica que em tantos anos ninguém além de mim pediu para entrar?

O porteiro percebe que o homem já está no fim e para ainda alcançar sua audição em declínio ele berra:

− Aqui ninguém mais podia ser admitido, pois esta entrada estava destinada só a você. Agora eu vou embora e fecho-a."

KAFKA, Franz. Um médico Rural: pequenas narrativas; tradução e posfácio Modesto Carone. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.